sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

HAMILTON E YAMANDU

(Publicado no Guia da Semana)

A noite tinha tudo para acabar no sofá, ao som da vinheta do Globo Repórter. Mas não acabou. O convite do meu tio mudou o rumo sonoro daquela sexta-feira. E lá fui eu em direção ao Auditório do Ibirapuera degustar música boa: Yamandu Costa e Hamilton de Holanda.

No céu, a lua fazia uma participação especial. Foi a primeira a entrar no palco, pegando a plateia de surpresa numa cidade com espetáculos naturais tão prejudicados pela poluição.

A lua cantava a capela.

Do lado de fora do teatro, uma multidão de espectadores andava a passos ansiosos, aguardando os primeiros acordes. Alguns exibiam seus celulares de última geração. Outros faziam carinhos automáticos nas namoradas. Tinha muita gente, o que me assustou um pouco, no sentido otimista da palavra, porque música instrumental não costuma tirar as pessoas de casa. Sempre me deparei com fileiras vazias nos shows do Egberto Gismonti ou do Wagner Tiso, por exemplo. Algo estava mudando ali. Não haveria fileiras vazias.

Aquela sexta-feira instrumental ia me deixando sem palavras.

A última campainha anunciava escandalosamente o início do show. No palco, Yamandu com seu violão sete cordas e Hamilton de Holanda com seu bandolim. E como parece conversar com a gente o dedilhado daqueles dois. É um diálogo de instrumentos, onde notas são letras e fraseados melódicos são textos com sentido, coesão e neologismos.

A música instrumental fala com a gente. Vai dizendo o que você quer ouvir. Na primeira peça, o bandolim do Hamilton me contava sobre as cores. Comentou da alegria do amarelo, do efeito mágico do roxo, falou sobre como colorir as pessoas tristes. Já o violão do Yamandu gritava comigo. Discutia sobre a qualidade da nossa música, reclamava da falta de critério do ser humano.

Ao meu lado, um inglês de cabelos experientes acompanhava de boca aberta o espectáculo. Antes do show, ele havia me contado sobre as viagens dele pela Europa, sobre as praias da Itália, sobre como existe lugar bonito no mundo, do lado de cima do globo terrestre.

Hamilton de Holanda anunciou uma canção que ele compôs quando morava sozinho na França. O músico começou a acariciar o bandolim. E o inglês da plateia me olhou com um ar de surpresa e euforia, balançou a cabeça num sinal positivo e me disse em silêncio: como é bom estar no Brasil.

O show ia chegando ao fim. Hamilton e Yamandu voltaram duas vezes para atender aos pedidos de bis e depois sumiram na cortina misteriosa do teatro. Foi um show e tanto. Um show e tantos na plateia.

Não vou esquecer tão cedo aquela noite que venceu os filmes do Telecine, superou os bares da cidade, os shows de cantores consagrados, os lançamentos em 3D nas salas de cinemas, os barris de chope, os sofás confortáveis, as reuniões na casa dos amigos.

Yamandu e Hamilton lotaram o Auditório do Ibirauera. Vitória da música instrumental.